terça-feira, 17 de maio de 2011

pensamentos que surgiram propícios

 
estendendo-me à quem?
o bom de um dia cinzento e gélido, é que ele todo
parece uma manhã.
aos amargurados com o fato de ir para escola em dias de hibernar
(me senti assim hoje e fiquei decidida: encontrar comparsas)

em cafés-da-manhã muito, muito apressados
pegar uma banana
e ir mordendo e colocando no achocolatado
(direto da lata, não temos tempo)
e então bananas com chocolate!

o sorvete de creme que está morrendo na geladeira
preparar sorvete de creme
com ovomaltine e canela
e sentir como um sorvete é mesmo gelado
e bege.

para quem tivé-los:
o arrepio de um vento cheio
que se vem,
algo de traiçoeiro.
algo, constelações
os seios estrelados
também.
alguém entendedor das amargas vírgulas
pois é que pensei,
"vou sonhar com isso essa noite."
cada uma com sete estrias
algumas janelas abertas
o céu coalhado de poesias nuas
colhidas em retalhos.
é o arrepio das coisas novas
leituras, o vento cheio
que se vai.
a eu-mulher se desamarrando.

terça-feira, 10 de maio de 2011

tesouros esquecidos em cantos


Ando trabalhando em uma nova habilidade: procurar coisinhas, tesouros esquecidos em cantos, fuçar por aí em buracos que a gente normalmente não olha. 
Eu fazia isso pequena,  quando passava por lugares que eu já conhecia muito bem, ficava procurando cantos desconhecidos e mistérios e pequenas aventuras. Meio Amélie Poulain, até. 
Pois então, outra tarde fui explorar o fundo da gaveta da cômoda da sala e encontrei algumas coisas que eu andava procurando, umas úteis e outras velhas e estranhas e inúteis, mas que me lembraram de momentos, e me deixaram leve.
Como esse amassador de cutícula e limpador de sujeira embaixo da unha cor-de-rosa, que eu lembro muito bem de ter encontrado na frente da casa da minha amiga, quando tinha uns seis anos. 
E o mini-lápis que eu dava para minhas bonecas escreverem na escola, e a Torre Eiffel perneta.
Também achei flores secas, cujas cores ficaram muito lindas assim, e que eu fiquei apreciando por um tempo.
Não sei por que, mas tenho achado divertido descobrir (hoje estava voltando da escola no trânsito e reparei nas coisas que  ficam nos cantos da estrada. A maioria bitucas de cigarro, mas também uns sapatos e pedaços de vidro quebrados.)
Sei que isso é clichê, mas observar as coisinhas sutis e simples do dia-a-dia faz com que tudo fique mais divertido, emocionante e mágico.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

passageira em transe






















Não entendo os ciclos que se acabam, e não à toa me perco. Que faz sentido, faz, estava sem rumo quando nos conhecemos
e no escuro sem tê-la agora.
A encontrei girando no meio da praça, seus gestos leves. Sorriu pra mim e reparei nos olhos cansados e espontâneos
a pele queimada, os seios que despontavam.
Não dissemos nada, e ela me seguiu, sem quebrar o silêncio confortável e raro.
Foi coletando flores pelo caminho, prendendo-as aos cabelos, dançando e ziguezagueando pela calçada.
Desatou a falar e me contar, enquanto estalava meus dedos e os dela,
que tinha fugido da casa dos tios severos,
porque queria experimentar ficar sozinha por aí.
Mas que há dois dias dormia na praça onde a encontrei e tinha fome.
Leve a menina-fada para casa, pela mão, trançada com a minha
e dormimos ambos.
Sonhei com coisas efêmeras, bolhas, dizeres, espirais.
A menina recitava poemas pela manhã,
calava-se a tarde e desenhava, o traço solto, e ignoramos todo o resto, ao redor.
Fechava os olhos e cantava, e nos amávamos infinitos e separados de qualquer outra coisa.
Eu a levava e ela a mim, devorávamos ferozmente tudo o que vinha,
tudo que ia. Uns aos outros.
Entrávamos num transe incerto, nos mistérios alheios, próprios
e pairávamos em dúvida, mas plenos.
Ainda agora, não sou capaz de dizer o tempo que passou a menina-fada comigo
enfeitiçado, desesperado por ela e incompleto quando partiu. Continuo.
Sinto seu espírito feérico e espontâneo, e o cheiro dos jasmins no cabelo
cercarem-me com afeto.
A magia singular da efêmera menina-fada que eu amei.

Laura.

quarta-feira, 30 de março de 2011

bilhete de amor a uma geração

as gotam caem menos gotas em mim
em nós.
sou cego em nossas relações,
perfeitos inertes, inférteis
vagos
lágrimas batem secas no chão
não entendo o porquê.
mas sigo tentando,
no solo machucado do meu espírito,
amá-los, amados então.

(por: Laura Fraiz)

terça-feira, 15 de março de 2011

IRRITADA

(Texto: Laura Fraiz, ilustração: Maria Valentina)

Nossos dias da semana costumam começar loucos: eu quase sempre demoro pra acordar, o cara da perua buzina e minha mãe grita o famoso grito dela 



Aí eu saio correndo que nem uma doida, não levo lanche, nem almoço, nem nada mas não consigo achar a chave. O cara buzina de novo. Mesmo estando na sala eu consigo sentir minha mãe ficando irritada. Começo a ficar desesperada e a choramingar (meio de propósito) e minha mãe fica puta. Finalmente eu saio, super duper mal humorada, e entro na perua-que-não-sei-porquê-tem-janelas-que-não-abrem e ufa -ou não- vou pra escola de uma vez por todas.


Mas isso é só ás vezes, quando eu resolvo dormir até as 6:15. 

Não sei muito bem porquê eu acabei de contar isso tudo, acho que só por contar, mesmo. É que hoje foi um pouquinho assim e esse clima continuou dentro de mim pelo dia todo: eu sou sumamente irritadiça.

A Soledad, por exemplo, é uma coisinha que me tirou do sério. Eu estava brigando com a minha bela mãe no carro e disse: "Nosssaa, como você é chata" e a enxerida da minha irmã ficou defendendo ela falando:


Ela também tem uma mania de ficar repetindo a mesma coisa vintemilhõesdetrilhões de vezes, até eu fazer o que ela quer. Tive que por, então, o filme da Hello Kitty que ela queria, mas "não, não, não, na sala não! Eu quero no quarto da Va-len-ti-na!".

Também quis porque quis o Macarrão da Laura, e eu fiz, mas acabei comendo metade. Isso foi há uma meia hora atrás.
Agorinha mesmo, eu tava escrevendo esse textinho e minha mãe ficou falando pra eu vir pra sala JÁ, que eu tinha recebido uma mensagem no celular e que ela ia ler em 3, 2, 1: ela leu! Isso me dá nos nervos!


Mas já tá tudo tranquilo nesse minuto, pelo menos..

Pra encerrar, uma coisinha que acabei de ler no meu caderno de Vazamentos e que tem a ver com isso tudo:
"Escrever faz eu me entender muito melhor, todos os meus pensamentos ficam desarrumados na cabeça, mas eles fluem pelo lápis e ficam (ás vezes não) claros e entendíveis. Escrever tem me salvado, e vai continuar salvando."

terça-feira, 8 de março de 2011

As mina, pa!



Como vamos romper com a herança que recebemos, heavy, monstra, de sermos mulheres do jeito que nos foi dado?  
Eu garanto, falar disso com nossos filhos, contar e pensar a linha do tempo das mulheres da nossa casa, falar das transformações, da desgraça de ser mulher, da mágica de ser mulher, é uma militância muito mais eficiente do que sair andando pelas ruas numa data X.  Ouvir o que eles têm pra falar sobre o assunto pode ser muito surpreendente; eles são intuitivos, livres e inteligentes.
As minhas filhas já me transformaram profundamente como mulher.
Eu já transformei a minha mãe, com minha transformação.
A gente recebe o fardo de cima pra baixo, e a revolução vem de baixo pra cima.
A revolução é das crianças.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Pobreminhas de mulher (maravilha)

(mini conto, por Laura Fraiz)

Era mais um dia pacato na pacata cidadela de São Paulo: os moradores andavam felizes e sorridentes pelas ruelas organizadas, belas e cheirosas de sua amada Sampa,
quando o GIGANTE, MAL CHEIROSO e MEDONHO GUINIS, filho de Winis, o fabricante de rodas, começa a atrapalhar a paz da cidade e a espalhar caos e terror por entre os jardins bem cuidados da mesma.
Arranca flores, destrói parquinhos de inocentes crianças, cutuca o nariz e joga as cacotas verde-musgo em velhinhas tricotando, entre outras muitas bárbaras barbaridades!
Oh, quem poderia acudir os cidadãos tão bem intencionados de nossa idolatrada cidade?
E é quando todos menos esperam, que nossa pomposa super-heroína surge, bela como uma camela, esbanjando purpurinísse e elegância, para SALVAR O DIA!
"Ohhhh, a MULHER MARAVILHA!", vibra a população encantada (reles mortais).
Ela então golpeia Guinis, com sua letal colher de pau, na fuça e nas bochechas rosadas! Mas OH! Agora é a aparentemente invencível Mulher Maravilha que fica com cara de rosbife malpassado!
Parece que nem toda sua maravilhosa maravilha consegue driblar as funções biológicas da fêmea mamífera.
Nossa venerável heroína abandona a batalha e retorna fulminantemente aos seus aposentos, para dar conta do estrago causado em suas nobres vestes felpudas, deixando Guinis, e a população, chocados com seu repentino e inesperado sumiço.
FIM.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Escolhas

Decidi fazer tirinhas com os episódios da nossa vida cotidiana.  A realidade é muito mais engraçada do que a ficção.  Nesta primeira tirinha, Soledad se debate entre a amizade e a propriedade.  E traduzindo, Badeu é como ela decidiu chamar o amigo Tadeu, filho do meu querido camarada Eder Camargo.  Enjoy it.

(clique pra ampliar, se for necessário)




domingo, 6 de fevereiro de 2011

destilado um

um suspiro no nada
paro e procuro.
três pedras pretas
opacas.
cortina caída
um lenço florido largo.
passos.
a ululante preocupação de mamãe
restos de café na caneca
frutas caramelizadas.
um nada que se espanta
e se agarra...
eu não entendo esse nada
eu só quero você.




 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Laura.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Mamãe, quero ser uma lixeira!

Levando a Soledad na escola, paramos no sinal vermelho justo atrás do caminhão de lixo.  Aborreci e bufei imediatamente pela desgraça alcançada, cedo de manhã.  Sole ficou radiante e feliz, pois o caminhão era verde maçã, e os lixeiros estavam em plena ação, pegando um monte de sacos e caixas do chão.  O sinal abriu e decidimos não ultrapassar, pra ficar olhando o trabalho dos caras.  Eles riam, enquanto carregavam os pesados fardos de sujeira.  Então o monstro abriu a boca e mastigou tudo, abriu a boca novamente e pediu mais.  Altas emoções dentro do carro, ao ver todo esse lixo sendo engolido com tanta fome. 
Sinal abriu, entramos na avenida novamente e eu escuto:
Mamãe, eu quero ser forte como eles, me vestir de laranja como eles.  Quando crescer, eu quero ser lixeira!

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Fazer das tripas coração

Quando estamos no meio de uma briga, que vira um ataque de risadas, que faz a gente cair no chão numa mistura de alegria, raiva e cumplicidade, a gente sempre fala que devia ter uma câmera gravando tudo isso.  E começamos imaginar inclusive a cara de pessoas específicas do nosso entorno, ouvindo as barbaridades que saem das nossas mentes pitorescas.  Aqui em casa o ritmo é intenso.  Conviver três mulheres de três gerações diferentes pode ser uma tarefa extravagante, para usar um adjetivo qualquer; porque na verdade, nós podemos ser tudo, ou quase tudo, em apenas uma tarde.
Finalmente decidimos nos jogar na rede.  Só para escolher o design e definir o título da primeira postagem houve umas 3 brigas, 18 bufadas, 9 viradas de olho e um arranhão no braço.  Na hora de apertar o botão "publicar postagem" falei pra Laura, 'te amo', e ela me respondeu, 'Hoje você fez coisas que vão ficar guardadas para sempre na minha pasta Raiva'.
Vai vendo, pessoal.

Mas...que tripas são essas?



(Illo: Laura Fraiz)

Minha mãe é uma coisa incompleta, indefinida,
uma mulher mutante: sempre se redescobrindo
e se transformando.
Aos poucos tenho entendido como me adaptar a essa mãe inadaptável, louca e intensa.
Nós somos irritantemente parecidas e surpreendentemente diferentes.
Os mesmos olhos expressivos e sobrancelhas grossas,
a mesma impaciência e o mesmo senso de humor
(rimos muito juntas quase todo o tempo).
Somos amigas, parceiras, confidentes e insuportáveis uma com a outra.
Um dia, tentando escrever alguma coisa sobre ela,
anotei no meu caderno:

nós duas
um, dois
não um mais um:
é a continuação.

Acho que isso resume tudo.




Laura, foi gerada num campo de morangos no norte da Inglaterra. Beatles.
Para complementar a moranguice da sua essência,  desenvolveu uma compulsão por chocolate num grau, que eu tive que desenvolver a habilidade de escondê-los.
Ela descobre todos os esconderijos. 
Muitas vezes deixa a embalagem vazia no lugar do crime, em vez de jogar fora.  Acho detestável, sobre tudo quando argumenta: “mas mãe, eu não tenho controle sobre isso”. 

Laura cresceu entre adultos, coisa que causou efeitos incríveis na sua personalidade.
Quando criança, tinha tanta compaixão por animais, que não permitia que matasse seus próprios piolhos, e ficou muito chateada quando arranquei o bicho-do-pé que pegou na Bahia.
Com a idade, tem se tornado mais cruel, e calcina pernilongos com a raquete elétrica.
Tem a sorte de ser bela, inteligente e bizarra, tudo ao mesmo tempo.